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Você acabou de adentrar no mais íntimo do meu ser, na parte onde a poesia reina, onde o instinto poético que me foi presenteado de nascença, me fez exprimir os mais variados sentimentos, onde toda fúria e amor se mesclaram concedendo asas à minha imaginação para combinar cada vernáculo e construir tudo que reside aqui. Aproveita e partilha desse ímpeto...


terça-feira, 20 de julho de 2010

O Conto do Quase Suicida


Dois homens cruzam suas vidas no parapeito de uma ponte. A existência da dupla é limítrofe a alguns centímetros.
Um olha para o outro parecendo perguntar se era aquilo realmente que ele estava pretendendo. O semblante de quase morte dos dois denuncia a verdade e nem é preciso uma sequer confirmação para a final constatação. Para tentar disfarçar algo simplesmente indisfarçável os dois começam a falar quase que simultaneamente.
- Não é isso que você está pensando.
Fazem um gesto que por pouco lembra um sorriso, mas mantêm a seriedade após alguns milésimos de segundo. Os dois começam a expor as razões que os levaram àquele momento ímpar.
Alberto, um louro, quase albino, relativamente baixo e gorducho, com a base de uns 44 anos mal vividos, toma a iniciativa.
- Acho que vou ser o primeiro a falar, deixe-me pensar... Cresci num orfanato e não tinha nenhum amigo, até que conheci a única pessoa que realmente gostou e se importou comigo, minha esposa. Nos casamos, consegui um emprego. Estava tudo indo extraordinariamente bem, até o momento em que me envolvi com amizades erradas que me fizeram pouco a pouco acreditar que fidelidade era uma burrice. Aceitei sair com uma das mulheres que estava com eles, uma ruiva. Começamos a nos beijar, quando estávamos na cama e olhei ofegante para a ruiva lembrei-me de minha mulher e todos os sentimentos que nutria por ela. Desisti de terminar o que havia começado. Tentei esquecer isso, vivi com minha esposa como se aquele dia nunca houvesse existido. Passado alguns anos um amigo dela sofreu um acidente e estava precisando de uma transfusão de sangue. Era compatível e logo me dispus a doar. Para minha surpresa eu era portador do vírus HIV, saí arrasado e fiz o que devia ter feito desde o início, contei a minha mulher que desesperada me expulsou de casa e também fez o exame. Nunca fui muito religioso, mas me lembro de ter rezado muito na noite anterior ao resultado. Infelizmente ela também era soropositivo. Depois disso, fui morar num pequeno hotel e perdi o emprego, não possuía mais estímulo em buscar outro e entreguei-me totalmente à bebida. Finalmente, após alguns anos descobri pesarosamente através de conhecidos, que minha esposa faleceu por doenças relacionadas a AIDS. Ela também me escondeu algo imperdoável, esperava um filho meu quando me expulsou de casa. Soube que a criança não foi contaminada e nasceu saudável, sendo levada para um orfanato logo após o falecimento da mãe. Procurei por muito tempo, encontrei algumas pistas, mas nunca me levavam a nada, cansei de ter esperanças, desisti de procurar e aqui estou.
Célio observa atentamente. É um homem de feições até certo ponto vistosas, corpo atlético, aparentemente uns 41 anos, voz forte, por vezes grosseira. Após o silêncio de Alberto ele presume o fim da história e começa a resumir os acontecimentos de sua vida.
- Não há um motivo grandioso para estar tentando me matar. Fiz tratamento, pois sempre sofri de depressão, tenho altos e baixos, sinto como se não pertencesse a esse mundo. Minha felicidade sobrevive de coisas doentias, sinto prazer com fatos bizarros, tenho que presenciar coisas estranhas para me sentir realizado.
Eles ficaram em silêncio analisando tudo até aqui dito, passaram a tentar apontar ao outro seus equívocos no modo de pensar. Nesse momento suas vidas ganham uma razão para prosseguir por mais alguns instantes, evitar que o maluquinho ao lado pule.
Alberto mentaliza tudo o que a vida havia lhe proporcionado de bom, até os mínimos momentos de leve felicidade foram levados em conta, e principalmente, fixou em sua mente a imagem de como imaginava seu filho que deveria estar com 9 anos de idade. Não queria que crescesse sem pai nem mãe num orfanato, não queria que terminasse como ele... Imaginou que ainda queria dar muito amor e carinho à essa criança. Há muitas coisas ainda a serem vivenciadas ao lado do filho. Desiste de tudo, se afasta da ponte e estende a mão para Célio que olha de forma relutante, ele não aceita...
- Não vale a pena levar essa loucura adiante - diz Alberto - vamos tentar mudar nosso quadro.
- Já tomamos nossa decisão na hora que saímos de nossas casas e viemos a essa ponte, não existe mais volta. Você acha que alguém vai se importar se nós pularmos? Amanhã, talvez, saia algo no jornal. Não temos ninguém para chorar nossa morte. Você crê que seu filho vai te querer quando souber o que houve? Provavelmente nem irá encontrá-lo, você sabe quantos orfanatos existem na cidade? Isso é, se ele estiver na cidade.
Alberto se desespera, pois mesmo apesar de tudo, Célio mostrava uma grande centelha de lucidez. Isso causava um sentimento mais aterrorizante que o original, o qual o levara a estar ali naquela ponte.
Célio chora copiosamente, deixando toda a fragilidade aflorar sem a mínima vergonha. Afinal, o que a vergonha poderia representar num momento como aquele? Alternando momentos de lucidez assustadora e insanidade deprimente, relembra mais algumas passagens de sua vida.
- Tenho dinheiro, mas não tenho amigos. Não tenho lembrança de alguém que tenha tomado alguma atitude de benevolência comigo. Meu pai me deixou dinheiro, uma empresa, mas nenhum amor, carinho, nem sequer um afago. O dia de sua morte foi um dos dias mais confusos de minha vida. Não fiquei feliz, mas não serei hipócrita em dizer que fiquei triste. Não sabia se tinha perdido um pai ou um desconhecido. Minha mãe nos abandonou, pois não suportou a convivência doentia com meu pai, que era violento e totalmente insensível. Não tive nenhum irmão. Era sozinho e inventava amigos e uma felicidade imaginária para tentar não enlouquecer.
Alberto se comove totalmente com o que ouve, procura palavras para acalentá-lo. Percebe que na vida dos dois faltava um encaixe, parecia que não havia nenhuma finalidade para serem criados, talvez uma aberração dos desígnios de Deus.
O céu toma a cor de acinzentado entristecido. Ambos olham para baixo e baixo rezam ou balbuciam monossílabos sem nexo. Olham para cima, talvez esperando alguma resposta. Após um longo silêncio, Célio quebra a surdina e faz a seguinte proposta:
- Pulamos nós dois no três.
Alberto, cabisbaixo, concorda com a cabeça. Sente que não tem mais opções. Passa a contar de olhos fechados, tão apertados que chegam a doer.
-1... 2.... 3! E um salto solitário no vazio.
Alberto se joga no abismo sem final aparente. Nem percebe que ninguém está ao seu lado. Aguarda os poucos segundos de queda livre apreciando o barulho do vento em seu ouvido, nenhum medo se faz mais presente. Sente cada sentido seu sendo inativado, até que chega o iminente e inevitável fim.
Enquanto isso, Célio se apoia totalmente no parapeito para observar cada detalhe sórdido. Admira extasiado a cena. Sente um prazer doentio e desmedido. Parece não sentir culpa e com a consciência leve como uma pluma fica alguns minutos admirando as sobras cadavéricas minúsculas. Fica orgulhoso com sua grande atuação e se elogia cinicamente.
-Merecia um Oscar por hoje, aliás, como sempre.
Ele se vai como nas outras vezes. Posteriormente, acordará cedo e retornará ao local, aguardando quem sabe mais um colega suicida.



Claudenor de Albuquerque.
Comentários
32 Comentários

Comentário(s)

32 comentários:

Fabiano HU disse...

Cara publique seus contos, vc tem um grande futuro pela frente, parabens.

Patrícia disse...

Eu gostaria de saber em que vc se inspira p/ fazer suas poesias, suas cronicas, no q vc pensa... Eu to entando entrar nesse ramo, ja escrevi umas coisinhas, mas nada parecido com o seu, mas vc ja é profissional ne, eu to so começando..Ahhh e vi o agradecimento que vc deixou p/ sua namorada, muito lindo mesmo, vc merece td de bom! Parabens e sorte na sua vida profissional e amorosa. Se vc puder dps entrar em contato comigo, mandei um e-mail p/ vc, queria umas dicas uma ajuda se vc puder, tiver disponibilidade... Um abraço.

Unknown disse...

Gostei muito do seu conto .. muito msm ... por hora me fez lembrar Sartre e Camus ... vc é muito bom .. escreve msm muito bem .. sei nem o q dizer mais

Claudenor disse...

Fabiano, muito obrigado, pretendo sim publicar meus contos e poesias, basta eu ter a oportunidade.

Claudenor disse...

Pátricia, não tem segredo...basta você conhecer um pouco das regras gramaticais, ter criatividade e colocá-la em ação...você idealiza um núcleo principal d ahistória e depois aos poucos você desenvolve os detalhes.

Claudenor disse...

Cleiton, muito obrigado mesmo pela crítica maravilhosa, sua comparação me deixou totalmente orgulhoso...Espero que você também possa ver as minhas outras poesias.

Claudenor disse...

Patrícia e ia me esquecendo irei te ajudar sim no que for possível. abraço

Thiago_poetadoido disse...

Genial é pouco !

Estou extremamente impactado com o que li, mil sentimentos me passaram pela mente e coração enquanto lia. Pretendo ler e reler várias vezes, posso dizer que fiquei ainda mais fã dos teus escritos. Os grandes e verdadeiros talentos estão despretenciosamente dispersos no mundo virtual, e não nas livrarias.

Grande Abraço !

Claudenor disse...

cara tentei escrever esse texto imaginando como eu gostaria de ler um texto, não cheguei exatamente ao resultado, mas tentei dar o meu melhor, seus elogios me deixam totalmente feliz, pq sei que foram de coração...um abraço e continua sempre que der visitando meu blog..receber elogios de poetas como você enobrece ainda mais o meu humilde trablaho.

Mousahrt disse...

Gostei muito do Conto, irônia no título,este Quase suicida Célio,rsrs.. a presença da crítica ao comportamento humano e a reflexão diante das nossas complexidades sentimentais e das nossas decisões manipuladas por terceiros. Excelente texto. Fez-me refletir e isto afirma o poder das LETRAS, quando escrivinhadas por mãos que enxergam.

Claudenor disse...

Cara estou extremamente feliz, pois a aceitação do conto foi muito boa...muito obrigado pela sua crítica perfeita...continue visistando o blog que são estímulos e elogios como esse que me fazem sempre tá criando poesias e agora contos pra cá.

babii. disse...

Incrivel. Sem reação momentania, obrigada por permitir que tantas pessoas se deparem com um texto tão rico. Olhos abertos para cenas que por vezes passam despercebidas. Adorei seu conto, a maneira fria e surpreendente com a qual você relata o acontecimento. Parabéns

Claudenor disse...

Muito obrigado Babi..em breve estou orgnaizando um curta metragem com uns amigos que entendem da área para retratar esse texto numa filmagem. Muito obrigado mesmo pela crítica...ainda irei postar muitos textos ainda, se Deus me permitir.

Unknown disse...

Você tem uma qualidade como escritor que é maravilhosa, sabe como prender a atenção da primeira a ultima linha, meus parabéns...

Gostei muitissimo.

Claudenor disse...

Marcia muito obrigado...espero fazer ainda muitos contos e contar com sua presença aqui mais vezes.

André Anlub disse...

Boa tarde brother poeta! O conto do quase suicida é chose de loque, parece com o estilo de filme de Joseph Ruben, parabéns amigo!
Forte abraço

Claudenor disse...

Muito obrigado caro poeta...valeu pela grande comparação. abraço

Anônimo disse...

bacana cara! parabens,continue,daqui a pouco vamos pedir autografo,vamos te ver no Jô...
abração.
carlos frança(karioka)

Claudenor disse...

Muito obrigado cara!! Deus te ouça...pode pedir autógrafo que não ficarei metido não huauhahuauhua

João Braga disse...

Parabéns brother...

Continue assim, um conto - mil mensagens implicitas, licao de vida..

E não deixe de avisar qdo for feito o curta metragem.

Claudenor disse...

vou sim avisar...vou deixar aqui falando sobre as filmagens, por enquanto não têm data para começarem...mas quando estiver certo eu vou propagar aqui no blog...estou em produção de outro conto...aguardem que virá outro.

Patrícia disse...

Claudenor, muito obrigada pelo tempo que dedicou pra ler meus textos, pelos conselhos e por td ajuda q vc me deu... alguma coisa me dizia desde o começo, desde o primeiro recado que eu deixei, que vc n iria me ignorar, me responderia e me ajudaria de alguma forma... como eu falei antes, alguma coisa me disse que vc era do bem! quem sabe n faço um blog tb futuramente? E Claudenor vc ja escreveu algum livro ou pretende? Seria interessante..eu compraria! Mais uma vez obrigada por tudo e que Deus te abençoe.

Claudenor disse...

Patrícia eu não sou profissional como vc pensava anteriormente, sou apenas amador como você, ainda não publiquei nenhum livro, mas quero muito publicar. Faça sim um blog, é muito boa a sensação de satisfação em ver o reconhecimento das pessoas pelo seu trablaho.
Deus te abençoe também!!!

Srta. Line disse...

Muito bom seu conto! Parabénssss!!!

Claudenor disse...

Muito obrigado por seu comentário e por seu elogio!

Karen disse...

Oi Claudenor!!
Seu conto é ótimo! Parabéns!
Espero em breve poder comprar um livro seu!
Abraço.

Claudenor disse...

Karen que bom que vc gostou, estou escrevendo mais um conto, em breve estará aqui no blog...quanto a publicar um livro vamos ver quando alguma editora abrir espaço para novos talentos. Muito obrigado pelo apoio.

Nell Kikolino (Pablo Abrego) disse...

Manolo Manolo, não vejo a hora de começar as filmagens... tá faltando candidatos pros papéis, sem contar em criança pras cenas de lembrança e pensamentos... vamos que vamos!!! Quando eu for começar dou um tok no seu orkut, abraços!!! (sua namorada é muito linda manolooo). A Babi é minha ex-namorada, aquela que deixou um comentario ali acima... (to na escola agora, a professora explicando e a professora de informática já fez propaganda do seu blog pra todo mundo!!!)

Claudenor disse...

Cara valeu pelo comentário Vamos sim fazer a filmagem. Sei que vai ficar muito bom. Queria morar mais próximo para poder ajudar, mas ajudarei discutindo o roteiro e o que eu puder fazer mais.
Obrigado pelo apoio cara. abraço

Fabiana Plech disse...

Senti alegria grande em ler todas as suas maravilhosas composições.É muito importante vê-lo crescido e ainda tão meu.Bjos Adoro você.Fabiana Plech

Claudenor disse...

Muito obrigado Tia linda amei ver seu comentário e sua presença por aqui.
Te adoro!!

Anônimo disse...

Feérico seu conto, muito instigador e profundo. Continue com sua arte. Ela pode ajudar muita gente a refletir sobre a vida.


Parabéns !!!!!!!!!!!!!!

Que Deus te ilumine.

Quando sair o curta quero ver !!!!!!!!!!!!!!!

Show Man !!!!!!!!!!!

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